Em uma cidade tão cosmopolita, acostumada a idiomas dos mais diversos países, as palavras “ambrí jãm Béti” (em grafia livre) soam como língua indecifrável de alguma nação distante.
Incompreensíveis para a maioria dos brasileiros, a expressão quer dizer “oi, tudo bem?”. É uma saudação cotidiana na língua Apinajé, idioma nativo da comunidade indígena de mesmo nome e que vive no estado do Tocantins, em uma região limitada pelas bacias dos rios Mosquito (no divisor de águas do Tocantins) e São Bento (no Araguaia).
E foi de lá, da Escola Indígena Mãtyk, no município de Tocantinópolis, a cerca de 550 quilômetros da capital Palmas, que o time de futsal feminino de Tocantins veio para a disputa dos JEB’s. A jovem Dacyara, de 14 anos, é a capitã da equipe.
O futsal é o núcleo da história que trouxe as meninas ao Rio de Janeiro. Mas a verdade é que, diante de tudo o que elas já experimentaram nos últimos dias, os JEB’s, mais do que uma competição esportiva, abriram portas de um novo mundo para as 11 integrantes da equipe.
Elas têm muita força de vontade, porque algumas não saem nem da comunidade. Quando saem é apenas para ir à quadra de treino e da quadra para a aldeia. Elas não têm esse costume de estar viajando. Ainda mais de avião”, disse Ataides Jesus de Souza, técnico da equipe.
Elas têm muita força de vontade, porque algumas não saem nem da comunidade. Quando saem é apenas para ir à quadra de treino e da quadra para a aldeia. Elas não têm esse costume de estar viajando. Ainda mais de avião”, Ataides Jesus de Souza, técnico da equipe
No céu
A história toda é marcada, desde o início, por surpresas. Acostumadas a treinar em quadra de terra batida, elas aceitaram o desafio de jogar futsal após serem incentivadas e orientadas pelo professor Ataides Jesus de Sousa.
“Desde 2015 que trabalho com a escola indígena. Com essas meninas a gente começou o treinamento agora, neste ano. Então, temos basicamente três meses de treinamento. A gente tem um pouco de dificuldade em função de não ter um local específico para treino voltado para o futsal. Então, a gente joga mais o futebol do que o futsal”, explica Ataides.
A vaga delas para os JEB’s veio nos Jogos Estudantis de Tocantins (JETS). Segundo o professor, desde que elas souberam que haviam se classificado para os JEB’s, a vida das meninas mudou. “A alegria delas foi imediata. A gente viu o brilho nos olhos delas. Quando falei: “Agora, a gente vai para o Rio! E de avião!”, elas gritaram e comemoraram”, lembra Ataides.
Confira galeria de fotos em alta da equipe Apinajé nos JEB’s
“Elas têm muita força de vontade, porque algumas não saem nem da comunidade. Quando saem é apenas para ir à quadra de treino e da quadra para a aldeia. Elas não têm esse costume de viajar. Ainda mais de avião”, reforça o professor.
Tão tímida quanto a amiga Darcyara e todas as outras companheiras de time, Karla Apinajé, 13 anos, resumiu em poucas palavras o que os JEB’s já significam. “Viajar de avião me deixou um pouco com medo no começo. Mas, quando vi, lá de cima, o Rio de Janeiro lá embaixo eu fiquei contente. Estou feliz por ter conhecido o Rio. Ter vindo para cá jogar futsal foi um sonho que a gente realizou”, disse a jogadora.
A nova “casa”
A viagem de avião foi a primeira das muitas emoções inéditas nos últimos dias. Ao chegar ao Rio de Janeiro, elas foram hospedadas no Rio Othon Palace, em Copacabana, enorme edifício de 30 andares de frente para a praia. Olhar para cima e contemplar a imensidão de sua nova casa no Rio foi uma visão impressionante para todas.
“Elas ficaram um pouco intimidadas quando viram a altura. “Ai, eu não vou ficar lá em cima”, disse uma delas. E eu falei: “Não, a gente vai ficar mais embaixo, no quarto”. O hotel que a gente ficou em Palmas (durante a seletiva dos JEB’s) era de três andares. E elas já acharam grande, recorda Ataides.
Nunca dormi em um quarto com tanto luxo. Ele é muito grande. Eu gostei de toda a coisa” Darcyara Chavito, capitã da equipe
“Nunca dormi em um quarto com tanto luxo. Ele é muito grande. Eu gostei de toda a coisa”, reforça Darcyara, habituada a falar mais o Apinajé do que o português, e que ainda encontra dificuldade em se expressar no idioma oficial do Brasil.
No mar
Depois de tudo isso, veio o mar. Nenhuma jamais tinha visto o mar de perto. O contato representa outro capítulo especial da viagem. “Estava gelado. É muito grande e lindo. Eu achei legal. Nunca vi pessoas na nossa aldeia banhando assim. Eu já falei com a minha mãe e ela falou para eu tirar fotos e mandar para ela”, conta Darcyara, resumindo um sentimento comum a todas as companheiras.
A classificação, a viagem, a hospedagem e o mar certamente ocupam lugar de destaque nas vitórias pessoais que as meninas da Escola Indígena Mãtyk já conquistaram. Mas o fato é que, dentro de quadra, as guerreiras Apinajés têm brilhado nos JEB’s. No primeiro jogo, contra o Piauí, a vitória veio por 2 x 1. No segundo confronto, contra o Amapá, aplicaram uma goleada incrível de 12 x 0, resultado que impressionou até a capitã de Tocantins.
“Foi difícil chegar aqui porque na nossa aldeia não tem quadra, na nossa escola não tem quadra. A gente treina na cidade, no ginásio. Eu não esperava isso. Eu achava que a gente ia perder de 20 x 0. Mas a gente ganhou o primeiro jogo e o segundo. Foi muito legal!”, comemora Darcyara.
“Gostinho de quero mais”
Os JEB’s continuam para as meninas Apinajés. Na segunda (01/11), elas acabaram superadas pelo time do Ceará. O revés, entretanto, não encerra o sonho de subir ao pódio. Ainda com chances de uma medalha, as meninas, independentemente do resultado, já são campeãs.
“Um evento desses tem magnitude muito grande”, diz Ataides. “Para a gente, que vem de uma cidade pequena, é fundamental. Junta tantas culturas, tanta gente em um lugar só, e todo mundo com o intuito de participar”, prossegue o treinador.
Segundo ele, um dos efeitos da passagem pelo megaevento escolar é despertar o interesse de seguir na escola, seguir nos treinos, participar de outros torneios. “Agora que já viveram tudo isso, com certeza vão querer voltar”, afirma Ataídes.
Com informações do Ministério da Cidadania