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27 novembro 2024

Bolsonaro dê a ordem, o Exército está com ele: o roteiro do golpe no celular de Mauro Cid

O chamado roteiro do golpe foi encontrado no celular do tenente-coronel Mauro Cid, o ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Não se trata do mesmo documento que estava na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres. Os dois, no entanto, tem o mesmo entendimento (leia no final deste texto), revelado de saída pelo título deste mais recente e muito mais detalhado: “Forças Armadas como poder moderador”.

O plano, de acordo com a Veja, se sustenta numa tese controversa segundo a qual os militares poderiam ser convocados para arbitrar um conflito entre os poderes. Ele está contido em um relatório de 66 páginas produzido pela Diretoria de Inteligência da Polícia Federal reunindo material flagrado no celular de Mauro Cid.

Os peritos da Polícia Federal (PF) reviraram mensagens de WhatsApp, áudios, backups de segurança e arquivos armazenados. O resultado é claro e cristalino como água: a trama para um golpe de Estado.

Tramas com militares do alto escalão

E, nesta trama, estão incluídos até mesmo integrantes do alto escalão das Forças Armadas. Nos diálogos encontrados está um entre o coronel Jean Lawand Junior, então subchefe do Estado Maior do Exército, com Mauro Cid logo após a derrota de Bolsonaro nas urnas. O contato entre os dois era frequente e Lawand cobrou várias vezes o ex-ajudante de ordens para que o plano fosse colocado em prática.

“Cidão, pelo amor de Deus, cara. Ele dê a ordem, que o povo está com ele”, implorou o coronel na noite de 1º de dezembro. “Acaba o Exército Brasileiro se esses caras não cumprirem a ordem do Comandante Supremo”, completou, referindo-se aos generais que chefiavam a Forças Armadas e ao próprio Bolsonaro.

Lawand chega a prever, na mesma mensagem, uma futura prisão do então presidente. “Ele não pode recuar agora. Ele não tem nada a perder. Ele vai ser preso”, avisa o coronel, antes de acrescentar: “E pior, na Papuda, cara”. A resposta de Cid, porém, foi lacônica: “Mas o PR (presidente) não pode dar uma ordem se ele não confia no ACE (Alto-Comando do Exército)”.

Lawand voltou a falar no assunto no dia seguinte e relatou o encontro de “um amigo do QG” com o general Edson Skora Rosty, então subcomandante de Operações Terrestres, que teria anuído com a ofensiva. “Foi uma conversa longa, mas, para resumir, se o EB (Exército Brasileiro) receber a ordem, cumpre prontamente”, disse, antes de ponderar: “De modo próprio o EB nada vai fazer, porque será visto como golpe. Então, está nas mãos do PR (presidente)”.

Nove dias mais tarde, Lawand volta à carga: “se a cúpula do Exército não está com ele, da Divisão para baixo está”, garantiu Lawand. “Assessore e dê-lhe coragem. Pelo amor de Deus”, prosseguiu, mais uma vez em tom de súplica. Cid retrucou informando que havia “muita coisa acontecendo”, “passo a passo”. O coronel festeja: “Excelente!!!”

Lawand, que foi destacado pelo governo Lula para assumir o cargo de representante militar em Washington, nos Estados Unidos, afirmou à Veja ter uma relação de amizade com Cid, com quem conversava sobre “amenidades”. Ele disse não se lembrar de nenhum diálogo de teor golpista. O general Rosty também relatou que não se recordava de conversas do gênero.

Cid está preso desde o início de maio após uma operação da PF sobre fraudes em cartões de vacina, na qual seu telefone acabou apreendido.

Os dois documentos golpistas

Os dois documentos golpistas encontrados até agora têm diferenças. O que foi encontrado na casa de Torres passava pela decretação de estado de defesa no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e eventualmente nos TREs, com a consequente destituição dos ministros da corte eleitoral e nomeação de uma junta de nove interventores, sob a batuta do Ministério da Defesa.

Já no plano que estava armazenado no celular de Cid, Bolsonaro deveria encaminhar as supostas inconstitucionalidades praticadas pelo Judiciário aos comandantes das Forças Armadas. Os militares, então, poderiam nomear um interventor investido de poderes absolutos.

Esse interventor teria que fixar um prazo para o “restabelecimento da ordem constitucional”. Assim, poderia suspender decisões que considerasse inconstitucionais, como a diplomação de Lula.

Ele teria também o poder de afastar preventivamente ministros do STF como Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski, que na época também integravam o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No lugar, seriam convocados os substitutos, Kassio Nunes Marques, André Mendonça e Dias Toffoli — os dois primeiros nomeados pelo próprio Bolsonaro.

No telefone de Cid, foi encontrado ainda outro documento, onde é aventada a hipótese de decretação de estado de sítio, uma das medidas mais extremas previstas na Constituição, válida apenas para situações excepcionais, como em caso de guerra.

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