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14 outubro 2024

Em artigo, Vinícius Miguel questiona cobrança de taxa ilegal para autistas em Rondônia

Advogado, sociólogo e doutor em Ciência Política (UFRGS), o professor da Universidade Federal de Rondônia, Vinícius Miguel questiona, em artigo, o posicionamento do governo de Rondônia que exige taxa ilegal de autistas para obterem documento de identidade.

 

Confira o artigo

 

Sim, o texto é uma síntese suficientemente compreensiva para o problema. Bastaria o título. Nenhuma outra palavra seria necessária.

E é a grotesca e violenta realidade. É medida de discriminação institucional e parte das estruturas perversas que sedimentam a exclusão.

As famílias ou a própria pessoa autista que adolescente ou adulta que buscam fazer a identidade com a explicitação de ser Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista encontram mais essa barreira, de ordem econômico-financeira.

Importante relembrar que as pessoas autistas e suas famílias passam por um processo incontornável de pauperização: são empobrecidas pelos custos e despesas com terapias multiprofissionais, consultas médicas e, por muitas vezes, aquisição de fármacos de uso continuado. Há uma evidente redução da qualidade de vida familiar com gastos intermináveis.

O valor cobrado no Estado de Rondônia é de R$ 153,72 para a obtenção da carteira, valor que, obviamente, para muitas famílias, faz muita falta. O valor é cobrado, por vezes, a pretexto de “segunda via”. Ocorre que muitas crianças recebem o diagnóstico após terem a carteira de identidade, de modo que, para a inclusão da informação sobre o autismo, precisam pagar.

Ainda, por um canalhismo dos legisladores envolvidos, a Lei 13.977 obriga nova emissão de carteira a cada cinco anos, como se o autismo fosse “ser curado”. Mas não, os imbecis legisladores acharam conveniente obrigar as famílias e autistas a se submeterem a visitações periódicas aos órgãos públicos, munidos de novos laudos e pagarem novas consultas e novas taxas. Cúmulo da insensatez!

Outrossim, de toda forma, em Rondônia, autistas e suas famílias tem sido obrigado a pagar a referida taxa, que é nitidamente ilegal. É que outra lei assegura a gratuidade da taxa, seja para uma primeira ou segunda via:

Lei nº 9.265, de 12 de fevereiro de 1996 (Lei da Gratuidade dos Atos de Cidadania), “São gratuitos os atos necessários ao exercício da cidadania, assim considerados: VII – o requerimento e a emissão de documento de identificação específico, ou segunda via, para pessoa com transtorno do espectro autista”.

O dispositivo é cristalino. O documento de identificação deve ser gratuito.

A ilegalidade na cobrança leva muitas crianças, adolescentes e adultos autistas a abdicarem de seu direito.

A um, que se dificulta mesmo a possibilidade do Poder Público de conhecer e produzir dados para a comunidade. A dois, se negam e dificultam outros direitos, da simplória prioridade em uma fila ao acesso de vacinação para vulneráveis.

Denega-se pouco a pouco, qualquer resíduo de cidadania e de dignidade. Descontruir as barreiras e possibilitar a acessibilidade, passa também por atos da Gestão Pública.

O corrente texto é uma denúncia. Eu acuso o Governo do Estado de Rondônia de criar inúmeras barreiras, de obstar a acessibilidade e a inclusão de pessoas com deficiência.

É, também, um desafio. Um desafio para que as pessoas da gestão possam buscar o diálogo, a compreensão e interlocução com as distintas forças sociais para efetivação de princípios constitucionais, cumprimento integral do Estatuto da Criança e do Adolescente, da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência e demais normas, preceitos e boas práticas para as pessoas com deficiências.

Espera-se e exige-se muito das pessoas com deficiências e suas famílias, até mesmo uma desmedida carga de paciência. Pouco se fala do pacto social descumprido reiteradamente por agentes públicos.

É passada a hora de responsabilização de gestores que por acídia, ignorância ou preguiça descumprem os direitos humanos fundamentais, sobretudo dos grupos em hipervulnerabilidade, como crianças com deficiências. Este é o apelo às demais autoridades e órgãos de controle: derrubemos as barreiras que impedem a liberdade e a fruição de todos os direitos!

P.S.: Todo o exposto acaba por não abordar a luta interminável e hercúlea por um diagnóstico e laudo, praticamente impossíveis de serem obtidos na rede pública, até mesmo pela falta de fluxos claros e transparentes. O laudo, documento exigido a todo o tempo da família para postular qualquer direito, é dever do Poder Público de ser produzido. Outrossim, se transfere um pesado ônus à pessoa com deficiência que acaba inviabilizando direitos.

***O autor é advogado e sociólogo. Doutor em Ciência Política (UFRGS). Professor da Universidade Federal de Rondônia. Foi integrante do Conselho Nacional de Direitos Humanos e do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, representando a Coordenação da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (ANCED).
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