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Porto Velho
29 novembro 2024

João Correia partiu, mas deixou uma pérola: “Buscando caminhos”

PORTO VELHO –  O poeta, repentista, cronista e escritor João Batista Guilherme Correia talvez pressentisse que mudaria de Plano, quando homenageou a esposa Marineide. Ou pode ter protagonizado mesmo uma de suas maiores qualidades: ser amoroso e ter reconhecimento: “(…) Você foi, é e sempre será importante em minha vida, o que a cada dia me guia rumo ao futuro com paciência e sabedoria, o que só aquelas pessoas de elevado grau de espiritualidade conseguem administrar, e você tem feito com inteligência incomum e fabulosa”.

A família decidiu distribuir gratuitamente aos amigos dele, exemplares do livro. Se aqui ainda estivesse, certamente ele o autografaria e o entregaria a cada de um nós, com o sorriso característico.

Dias atrás, Dani Correia, filha dele, presenteou-me. Eu lhe disse que esse gesto de bondade engrandecia ainda mais o saudoso escritor.

Na pág. 58, Desencontro:

Insensatez, onde andas?
Levaste meu ego contigo
hoje sofro, hoje maldigo
essas ilusões perdidas.

Lá nas profundezas íntimas
latente, meu coração
está sempre em desencanto
com a vida e a perfeição.

Nascido em Granja (CE), João Correia graduou-se em Estudos Sociais pela União Pioneira de Integração Social (UPIS) do Distrito Federal, e concluiu sua pós-graduação em gestão escolar.

Chegou a Rondônia em 1985, trabalhou em Jaru e Porto Velho. Professor concursado, dirigiu escola, foi secretário-adjunto de trânsito, chefe de gabinete da Assembleia Legislativa, chefe de gabinete da Casa Civil do Governo, e algo muito raro na Amazônia e no País: pertenceu às duas academias de letras do estado: ARL e Acler.

O livro oferece poesia, prosa e cordel. Ora melancólico, ora otimista e conformado, ou com pitadas de ironia, o autor tratou de temas antigos, modernos, e das aflições do ser humano; homenageou o poeta maranhense Vespasiano Ramos, cujo corpo foi sepultado no cemitério de Porto Velho. Declarou seu amor por Rondônia.

Na pág. 237, Orelhões, trechos:

Dia 24 de junho
de um nove sete cinco
ali na Lauro Sodré
pertinho do Te Guenta
nosso primeiro orelhão
chegou para animar a gente

Bem na hora marcada
o convidado chegou
o técnico da Teleron
o orelhão instalou
a sociedade deu “viva”
e o telefone tocou

Agora, os frequentadores
daquele tradicional bar
tinham à disposição
um telefone para falar
convidar os amigos
para virem bebericar

(…) Simplesmente o usuário
aquele que o elogia
é o mesmo que o esquece
nem mais lembra se existia
Chamam-no de ultrapassado
oh, meu Deus, que covardia!

Wi-fi, Wathsapp
são a nova tecnologia
e os orelhões, coitados
que nos deram tanta alegria
estão todos abandonados
que tristonha ironia

Na pág. 83, Liberdade e covardia, trecho:

(…) Qual a culpa de sua negra pele
se, fisicamente, somos iguais em tudo
nos sentimentos, no amor, na vida?

Somente a covardia comete tal absurdo!

Quantos irmãos foram assassinados
ao longo de regime tão brutal?

Distante da pátria, dos amigos e da família
o quanto era para o negro tanto mal!

entretanto, o civilizado – branco
acorrentou os seus irmãos de cor
estraçalhou sua cultura, suas raízes…
até hoje o irmão negro chora e ri de dor!

Cem anos se passaram e quase nada
progrediu nessa cultura escravocrata,
de homens insensatos que enriqueceram
com o sacrifício dos irmãos negros, na chibata!

Multiplicaram-se as senzalas e os açoites
nesses cem anos de “liberdade e covardia”;
os irmãos que sorriram com a Lei Áurea
ainda estão presos aos grilhões, sem alforria!

Negro amigo, companheiro e irmão
pagaste com sangue o progresso desta terra,
merece nosso respeito, nosso carinho…
e não ser discriminado, quase em guerra!

Grite alto para que todos te ouçam,
lute pelo direito de ter livre o amanhã;
reúna as forças que te restam
e busque alento neste afã…

Algumas gerações já se passaram
e esses heróis lutam bravamente…
Moveram com suor, lágrimas e sacrifícios
o progresso desta nação do Ocidente.

Na pág. 220, O desprovido

Desprovido de qualquer sentimento, aquele ser perambulava à toda pelo fantasioso mundo das drogas, numa inconsequente afronta a Deus e à dignidade humana.

Não dispunha de um mínimo de amor, porém, um clarão mágico e belo iluminou o seu caminho, orientando os seus passos rumo à vida, e aquele homem, aquele pobre homem, encheu-se de alegria, e, mesmo maltrapilho, esfarrapado, roto e sujo, curvou-se, para espanto de todos que o observavam.

Diante do Pai, abriu seu coração e um largo sorriso, de início acanhado, depois, gargalhou mostrando a quem quisesse presenciar a sua alma e o seu coração.

Naquele momento, lágrimas copiosas rolaram por sua grotesca e rude face e ele gritou, gritou bem alto e forte: – Eu te amo, Senhor!!! Um forte trovão ribombou no ar, rasgando o céu.

Uma leve, porém, persistente brisa farfalhava as ramagens, quebrando o silêncio que se fizera. Para espanto geral, aquele homem continuava ali, inerte no meio da multidão com o olhar fixo no céu. Balbuciando, dizia: – Obrigado, Senhor! Obrigado, Senhor!

Na pág. 221, Deus existe!

Subimos costeando as serras. Era cedo, o Sol brilhava. Passo a passo fomos vencendo os obstáculos. A trilha, ora íngreme e limpa, ora cheia de obstáculos…

Além, muito além, a serra apresentava-se desnuda e cheia de beleza, expondo seu corpo para o diminuto grupo que com seus passos lentos extasiavam-se com as diversas formas das indomáveis montanhas.

Ubatuba, Pirapora e Urubus ficando e, à nossa frente descortinavam-se o Morro do Angico, a Furna da Nega e a Serrinha, todos cheios de mistérios e encantos.

Lá no pico, bem no alto, uma enorme pedra, a denominada Pinga-pinga, que, gota a gota, abastece o pequeno riacho de límpidas águas que brotam lá do alto em direção ao sertão.

Abaixo do sopé da montanha, uma nesga da exuberante floresta nativa protege aquele lindo santuário cravado no coração da serra.

Santana, um platô cheio de encanto e magia, de histórias tristes e alegres, contadas e vividas pelos diversos sertanejos que por ali passaram.

Vaqueiros e tropas de animais semisselvagens que outrora habitavam aquela inóspita região de pastos verdes e abundantes águas.

Hoje, poucos animais e quase nenhum vaqueiro frequentam aqueles campos outrora cobertos de muares. Os velhos vaqueiros, com suas vestimentas de couro e suas espertas montarias.

Dezenas deles quebravam a monotonia daquelas paragens, onde muitas histórias foram vividas e contadas; uns até afirmam que a região era assombrada.

Os velhos vaqueiros se foram, restou apenas a saudade. Os novos, abandonaram o ofício. Poucos ou quase nenhum se aventuram na velha arte de vaquejar.

À noite, nos confins da serra, lá longe, pequena chama irradiava caloroso lume, aquecendo o ambiente.

O forte vento chicoteava a frágil cobertura do casebre. Ao lado, os companheiros roncavam num profundo sono. Lá fora, os cães ladravam e o cavalo  bufava como a reclamar do intenso frio. Permaneci quieto, ouvindo o tique-taque do coração que vagarosamente pulsava como a querer reter o tempo. Adormeci. Manhã, dia lindo!

O vento teimosamente soprava sibilando forte em todas as direções. Continuamos a nossa caminhada serra acima. Ofegantes, chegamos ao topo, o horizonte se abriu e o denso nevoeiro que descia sobre nossas cabeças nos disse:

– Deus existe!

Texto de Montezuma Cruz

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