Li, neste sábado, praticamente sem parar, o livro “O avesso da Pele”, do escritor Jeferson Tenório. É uma história arrebatadora, contada por um jovem negro que busca reconstruir a figura do pai ausente. Um professor de literatura na periferia de Porto Alegre, que morre numa abordagem policial, como ocorre com tantos negros, todos os dias no Brasil, única e exclusivamente pela cor da pele.
Lançado em 2020, o livro venceu o Prêmio Jabuti, foi recomendado para alunos do ensino médio pelo Ministério da Educação e voltou a ser debatido nas últimas semanas por ter sido censurado em várias regiões do Brasil. Primeiro na cidade de Santa Cruz, no Rio Grande do Sul, e depois em estados como Paraná, Mato Grosso e Goiás, onde o governador, Ronaldo Caiado, admitiu que mandou censurá-lo sem ter lido. “Aquilo é promiscuidade plena. Não tem nada de educativo. É um absurdo. É material de revistas de promiscuidade”, disse Caiado.
O livro, na verdade, contém uma ou outra referência aos órgãos genitais e a descrição contida de algumas relações sexuais. Nada apelativo. E nada que esteja fora do universo e da prática dos adolescentes. Sobre o tema da violência, o livro chega até a ser moderado. Não há juízos morais sobre as vítimas e os algozes numa sociedade marcada pelo racismo estrutural.
Numa das cenas mais tocantes, o narrador recorda um diálogo da infância com o pai. “Você sempre dizia que os negros tinham de lutar, pois o mundo branco havia nos tirado quase tudo e que pensar era o que nos restava. É necessário preservar o avesso, você me disse. Preservar aquilo que ninguém vê. Porque não demora muito e a cor da pele atravessa nosso corpo e determina nosso modo de estar no mundo. E por mais que sua vida seja medida pela cor, por mais que suas atitudes e modos de viver estejam sob esse domínio, você, de alguma forma, tem de preservar algo que não se encaixa nisso, entende? Pois entre músculos, órgãos e veias existe um lugar só seu, isolado e único. E é nesse lugar que estão os afetos. E são esses afetos que nos mantêm vivos“.
Este é o avesso da pele. É este livro belíssimo que foi censurado no Brasil, em pleno século 21. A censura representa um crime contra os estudantes e todos os negros e negras do Brasil. Combatê-la, no momento em que negros são assassinados nas periferias de todo o País, é um dever de todos que lutam contra o racismo e o fascismo no Brasil. Antes que seja tarde demais. Abaixo, trecho do livro: