Afinal, o celular é um vilão ou uma ferramenta que auxilia na aprendizagem? A Lei nº 15.100/2025, que restringe o uso de aparelhos eletrônicos nas escolas, já está em vigor. Ontem, a Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEE-DF) divulgou as novas regras quanto ao uso de aparelhos eletrônicos pelos estudantes nas instituições educacionais públicas da educação básica do DF. O documento busca atender às orientações e exigências previstas na legislação.
A partir de agora, fica proibido o uso dos aparelhos portáteis durante as aulas, em sala ou em qualquer espaço pedagógico da unidade escolar, no decorrer das atividades conduzidas por profissionais da educação ou em trabalhos individuais e em grupo e nos intervalos entre as aulas aulas, incluindo o recreio. Caso haja o descumprimento das regras, os profissionais da educação deverão acionar a equipe gestora da unidade escolar, que poderá adotar medidas educativas e disciplinares de caráter educativo, previstas no regimento escolar.
Para Denise Canal, diretora do Colégio Católica Brasília e mestre em educação e saúde, especialista na dependência tecnológica causada por dispositivos eletrônicos em crianças e adolescentes, a medida é extremamente positiva. “Há 20 anos luto pela restrição do uso excessivo de recursos eletrônicos por crianças e adolescentes. Acredito que essa medida poderia ter sido implementada antes, visando proteger as gerações passadas. No entanto, ainda que tarde, é melhor do que nunca. Nos próximos meses veremos essa nova geração de crianças e adolescentes se tornando infinitamente mais saudáveis”, disse.
A diretora classificou a norma como histórica. “Na pandemia, os estímulos foram intensos e as respostas frente a eles, também. O celular passou a fazer parte da vida como uma extensão do corpo. Pais desconheciam os riscos da exposição excessiva. Quem imaginaria que o perigo caberia na palma da mão, se usado sem limites. Este é um momento único a ser registrado na história. Vem aí uma geração que será resgatada dos estímulos dopamínicos tecnológicos diários.”
Opiniões divididas
Para o operador de cremalheira Ivaldo Leandro de Lima, 46 anos, pai do pequeno Itálo de Lima, 6, a decisão do governo federal foi um acerto. Na segunda-feira, o menino, que mora com a família em Arapoanga, iniciará a vida escolar, e a proibição do uso de eletrônicos tem deixado o pai mais seguro. “É muito importante porque além de ter o risco de a criança perder o celular ou ser assaltada, o aparelho tira a atenção. Ele ainda não usa o celular e não queremos que use antes dos 10 anos. Gostamos da lei”, avaliou.
Tatiana Portela, pedagoga e mestre em psicologia, com experiência em inovação, tecnologias educacionais e neuroaprendizagem, analisa que a lei demonstra duas preocupações essenciais: saúde mental e aprendizagem. De acordo com ela, as motivações estão evidenciadas na permissão com fins pedagógicos ou didáticos, para acessibilidade e inclusão. “A intencionalidade da lei também é reforçada e ampliada no guia lançado pelo Ministério da Educação, abordando a conscientização para o uso de celulares. O guia, além de orientar as escolas e fundamentar a opção pela restrição, também provoca a necessária discussão e atuação das escolas em relação à educação midiática e à cidadania digital.”
Enquanto a nova regra conforta alguns responsáveis, outros posicionam-se contra a medida. A atendente Mikaely Oliveira, 27, moradora do Entorno do DF, na Cidade Ocidental (GO), é mãe de Lorena Oliveira, 5, e avalia que a restrição pode prejudicar a comunicação com a criança. “Eu sou contra, porque muitas vezes a mãe deixa a criança na escola e precisa que ela esteja com o celular para poder se comunicar, não no horário de aula, mas no intervalo. Acho que no momento do intervalo devia ser liberado”, defendeu.

A vendedora Rafaela Menezes, 33, moradora de São Sebastião, também posicionou-se contra a medida. “Entendo que o celular atrapalha as aulas, mas ele ajuda as crianças quando estão passando mal, por exemplo, ou a gravarem e deixarem registrado se, de repente, acontecer alguma coisa, então, penso que a lei atrapalha também, não é somente positiva”, declarou. O filho, Rafael Menezes, 8, ao contrário da mãe, disse ter gostado da decisão. “Eu prefiro ler pelo livro do que olhando no celular”, disse.
Moradora da Ponte Alta Norte, a autônoma Aldene Patrícia da Silva, 56, avó de Emily Luiza da Silva, 10, achou a decisão excelente. “Escola tem que ser para ensinar a ler e a escrever, e não a usar celular. Isso eles já aprendem em casa. O celular tira a tenção e incentiva coisas que não há necessidade, são muitos aplicativos, redes sociais, não concordo.” A menina já tem um celular, mas contou à reportagem que não costuma levá-lo à escola, além de ser supervisionada pelos pais e pela avó. Presente, Domingos Pereira da Silva, 55, concordou com o posicionamento da esposa.
Computação desplugada
O pedagogo Welton Dias de Lima, professor nos cursos de pedagogia e engenharia de software no Centro Universitário Uniceplac, estuda computação desplugada — abordagem de ensino de computação que não utiliza equipamentos eletrônicos — e explicou que essa é uma forma positiva de ensinar os alunos a desenvolverem o pensamento computacional e crítico sem depender de telas, equilibrando o aprendizado digital com experiências concretas e interativas, evidenciando que dá para explorar a área ainda que sem os dispositivos eletrônicos.
“O principal benefício da medida é evitar o uso indiscriminado dos dispositivos, que pode comprometer a concentração dos estudantes e prejudicar o aprendizado. Além disso, ao proibir o uso durante o recreio, a norma estimula a interação social e reduz o isolamento causado pelo excesso de telas. Entretanto, a tecnologia não deve ser tratada como vilã. O uso pedagógico precisa ser incentivado de forma estruturada. Para isso, é necessário que os professores recebam formação adequada, garantindo que saibam mediar e direcionar o uso das telas de forma produtiva”, apontou.
O especialista afirmou que a regulamentação, por si só, não resolve o problema. De acordo com ele, a escola precisa investir em metodologias ativas, como computação desplugada e pensamento computacional, para garantir que os alunos desenvolvam habilidades digitais sem depender de forma exclusiva dos dispositivos móveis”, ensinou.
Além das regras, o documento publicado pela SES-DF reforça que as unidades escolares devem promover a conscientização sobre o uso responsável e seguro de tecnologias digitais, a partir de palestras, oficinas, campanhas temáticas e atividades formativas envolvendo os responsáveis, professores, estudantes e demais membros da comunidade escolar.
Legislação própria
O Distrito Federal tem, desde 2008, uma lei distrital que proíbe o uso de celulares e aparelhos eletrônicos em escolas públicas e privadas da Educação Básica. A norma, contudo, não restringe o uso dos aparelhos nos intervalos ou recreio.
Normas da SEEDF
Quando o uso fica proibido?
– Durante as aulas, em sala ou em qualquer espaço pedagógico da unidade escolar;
– Fora da sala de aula, durante atividades pedagógicas conduzidas por profissionais de educação e/ou realização de trabalhos individuais ou em grupo, na unidade escolar;
– Durante os intervalos entre as aulas, incluindo o recreio.
Fica permitido, excepcionalmente, o uso nas seguintes situações:
– Quando houver autorização expressa do professor regente para fins estritamente pedagógicos ou didáticos, tais como: pesquisas, leituras, atividades avaliativas supervisionadas, acesso ao material em plataformas de ensino, ferramentas educacionais específicas ou qualquer outro conteúdo ou serviço educacional;
– Para os estudantes com deficiência ou com condições de saúde que necessitam desses dispositivos para monitoramento ou auxílio de sua necessidade, e como recurso de adequação e acessibilidade pedagógica, visando garantir a inclusão e a aprendizagem:
– Quando houver autorização expressa da equipe gestora da unidade escolar por motivos de força maior, situações de estado de perigo ou estado de necessidade.
Por que a Lei que restringe o uso de celulares nas escolas é necessária?
A promulgação da Lei nº 15.100/2025, que restringe o uso de celulares nas escolas brasileiras, representa uma medida essencial para aprimorar o ambiente educacional e o desenvolvimento integral dos estudantes. Esta legislação, sancionada em 13 de janeiro de2025 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, proíbe o uso de aparelhos eletrônicos portáteis pessoais durante aulas, recreios e intervalos em todas as etapas da educação básica, permitindo exceções apenas para fins pedagógicos ou em casos de necessidade, perigo ou força maior.
A presença constante de celulares em sala de aula tem sido identificada como uma fonte significativa de distração. Notificações de redes sociais, jogos e mensagens instantâneas competem pela atenção dos alunos, comprometendo a concentração e a assimilação dos conteúdos ministrados. Ao restringir o uso desses dispositivos, a lei busca criar um ambiente mais propício ao aprendizado, onde os estudantes possam se dedicar integralmente às atividades acadêmicas sem interrupções tecnológicas.
Estudos indicam que o uso excessivo de celulares está associado a problemas como ansiedade, estresse e distúrbios do sono entre jovens. A constante exposição a plataformas digitais pode levar a comparações sociais prejudiciais e ao fenômeno do “medo de ficar de fora”(FOMO), afetando negativamente a saúde mental dos alunos. A restrição do uso de celulares no ambiente escolar visa mitigar os efeitos, incentivando interações presenciais mais saudáveis e promovendo o bem-estar emocional dos estudantes.
A interação face a face é fundamental para o desenvolvimento de competências sociais, como empatia, comunicação eficaz e resolução de conflitos. O uso indiscriminado de celulares pode reduzir essas interações, levando ao isolamento social. Ao limitar o uso de dispositivos móveis, a lei estimula os alunos a participarem de atividades coletivas, debates e discussões em grupo, enriquecendo sua experiência escolar e preparando-os para a convivência em sociedade.
O ambiente digital pode ser palco de comportamentos nocivos, como o cyberbullying, que afeta a integridade psicológica de muitos estudantes. Ao restringir o uso de celulares nas escolas, reduz-se a possibilidade de ocorrências de assédio virtual durante o período escolar, contribuindo para um ambiente mais seguro e acolhedor para todos.
Diversos países têm adotado medidas semelhantes visando aprimorar o ambiente educacional. Na França, por exemplo, desde 2018, o uso de celulares é proibido em escolas para alunos até 15 anos, com o objetivo de reduzir distrações e melhorar a concentração. A implementação dessa política resultou em um ambiente escolar mais disciplinado e focado no aprendizado.
Embora a lei represente um avanço significativo, sua implementação requer a colaboração de educadores, pais e alunos. É fundamental que as escolas desenvolvam políticas claras sobre o uso de tecnologia, promovam a educação digital responsável e ofereçam alternativas pedagógicas que integrem recursos tecnológicos de forma equilibrada. A restrição do uso de celulares não deve ser vista como uma oposição à tecnologia, mas como uma medida para garantir que seu uso no ambiente escolar seja consciente e direcionado ao enriquecimento do processo educacional.
Em suma, a Lei nº 15.100/2025 é necessária para assegurar um ambiente escolar que priorize o aprendizado, o desenvolvimento saudável e a segurança dos estudantes, preparando-os para os desafios da sociedade contemporânea.