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21 novembro 2024

Queimadas pelo país: é preciso conter o avanço do agronegócio

A proliferação dos focos de queimadas em áreas rurais por todo o território nacional e o anúncio de que São Paulo passou a liderar o ranking das cidades com o ar mais poluído do mundo colocaram a questão ambiental no centro do debate público no Brasil. Depois da tragédia no Rio Grandes do Sul com as fortes chuvas, as mudanças climáticas põem em xeque, mais uma vez, o modo de produção do agronegócio.

O fogo queimou mais de 114.000 km² neste ano, sobretudo, na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal. A área é mais que o dobro da registrada nos primeiros oito meses de 2023 (52.519 km²). Só em agosto, mais de 56.000 km² foram incendiados, de acordo com o Monitor do Fogo da plataforma MapBiomas.

Mais de 10 milhões de pessoas foram afetadas diretamente pelos incêndios florestais. São 531 municípios que decretaram situação de emergência por causa desses incêndios, que passaram a marca de 160 mil focos neste ano.

No mesmo período da explosão dos casos de queimadas, a cidade de São Paulo foi apontada pela agência suíça IQAir como o município com o ar mais poluído do mundo. A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) registrou que, das 22 estações de monitoramento de qualidade do ar, 21 apresentavam o indicador “muito ruim” ou “ruim”.

Uma partícula tóxica com diâmetro de 2,5 micrômetros ou menos, conhecida como MP2,5, é o principal poluente. Com um tamanho muito pequeno, essa substância penetra no sistema respiratório e chega à corrente sanguínea. Esse agente químico aumenta os riscos de doenças cardíacas, pulmonares e vasculares, como o acidente vascular cerebral (AVC).

Não é uma exclusividade da cidade de São Paulo. Respira-se um ar poluído em todas as regiões do país. Levantamento aponta que a média anual da partícula tóxica MP2,5 no Brasil é de 9,9 microgramas por metro cúbico (µg/m³), o dobro do limite estabelecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

A associação das queimadas no interior com a péssima qualidade do ar nas capitais acendeu um sinal amarelo e conectou o que se passa no campo com a piora da qualidade de vida nas grandes cidades. Não dá mais para ignorar que respirar um ar poluído e seco nas áreas urbanas – que causa doenças na garganta, no sistema respiratório e sinusite – está relacionado à exploração capitalista acelerada e sem controle dos recursos da natureza.

O Brasil vive sob a hegemonia do modo de produção do agronegócio desde o final dos anos 90. O casamento do capital financeiro internacional e das empresas transnacionais com o latifúndio expandiu a monocultura de commodities para exportação. O avanço da fronteira agrícola e das áreas de pastagens sobre florestas e campos naturais sacrificou 514 mil quilômetros quadrados de áreas verdes de 2000 a 2020. Esse território equivale a 6% do território, que corresponde à soma do tamanho de São Paulo, Rio, Paraná e Sergipe.

Com a diminuição das áreas verdes, foi reduzida a capacidade de absorção de dióxido de carbono (CO 2) da atmosfera. Além disso, a própria derrubada e/ou queimada das florestas liberam o carbono absorvido pelas árvores na forma de CO 2, um dos principais gases de efeito estufa que contribui para o aquecimento global.

A expansão do agronegócio da soja, milho, cana-de-açúcar, algodão e pecuária intensificou a crise das mudanças climáticas. O fogo é o primeiro ato de um processo que leva à elevação das temperaturas e à mudança do ciclo das chuvas e da seca, criando o ambiente para o descontrole das queimadas que o país vive atualmente. Ou seja, nos próximos anos, os períodos de seca serão maiores e os focos de incêndios ainda mais numerosos.

O uso do fogo na agricultura não é uma novidade. Essa é uma prática antiga em algumas áreas rurais para “limpar” terrenos e preparar a terra para o plantio. No entanto, sob a lógica da reprodução ampliada do capital, as queimadas se tornaram num instrumento para expandir a fronteira agrícola de forma acelerada e contínua para a reprodução do sistema.

As queimadas criminosas para a abertura das áreas para a pecuária e a monocultura da soja conferem maior celeridade e segurança aos autores, uma vez que o sistema por satélites de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), tem maior dificuldade para identificar o desmatamento em focos de incêndios.

As consequências das mudanças climáticas são cada vez mais graves e afetam um número cada vez maior de pessoas no Brasil e no mundo. A ocorrência de fortes chuvas como as do Rio Grande do Sul em maio e a poluição do ar em grandes cidades como São Paulo demonstram que ninguém está alheio à marcha insana da destruição ambiental.

O governo Lula tomou até agora iniciativas muito tímidas em relação às queimadas. Nenhuma delas tocou na raiz do problema. Não é possível enfrentar a crise climática e evitar novas tragédias sem controlar, regular e limitar o agronegócio, quebrando a lógica de acumulação capitalista que leva à ampliação da fronteira agrícola para sustentar as grandes cadeias globais do sistema alimentar.

*Igor Felippe Santos é jornalista e analista político com atuação nos movimentos populares.

**Este é um artigo de opinião e não representa necessariamente a linha editorial do Brasil de Fato.

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